Desmatamento
Desmatamento
Ecologia e pré-sal exigem reforma eleitoral
O debate ambiental, que esquentou, extraordinariamente, nas últimas semanas, em torno de MP 458 , aprovada no Senado, flexível em excesso quanto à ocupação da Amazônia, coloca em cena, fundamentalmente, a necessidade de condução política desse debate. Afinal, o tema envolve a sociedade em sua composição por classes sociais politicamente antagônicas no contexto dos interesses conflitantes em foco na agenda do meio ambiente, bem como do desenvolvimento sustentável geral. Trata-se de evoluir a discussão crítica às regras de representação política que implicará, por sua vez, em outra urgente necessidade, isto é, a remoção dessas mesmas regras. A razão é cristalina: elas criam, no ambiente de governabilidade eternamente provisória, falsas representações populares, no Congresso. Impedem, consequentemente, evolução democrática da consciência política social.
Nesse sentido, sem reforma eleitoral não haverá debate ambiental – nem qualquer outro - com suficiente credibilidade capaz de estabelecer consenso social em contexto em que o poder do capital se torna desproporcional ao poder da opinião pública, destituída de canais de participação , com suficiente representatividade , graças ao regime político, gerenciado por MPs, que despersonalizam os partidos e inviabilizam lideranças autênticas.
Vigora o oposto no ambiente de provisoriedade governamental: total descrétido dos partidos, meros balcões de negociatas, sem representatividade, portanto, incapazes de permitirem que os antagonismos sociais percorram as autênticas energias partidárias, para expressar o contraditório democrático necessário saído do debate político-partidário.
A Nova República, dominada pelas regras dadas pelos credores, no contexto do Consenso de Washington, vigente desde a crise monetária dos anos de 1980, subordinou-se à governabilidade provisória anti-democrática e abastardou as agremiações políticas, despersonalizando-as perante eleitores e eleitoras. Emergiu a inversão da representatividade popular por meio da falsa representatividade, que joga com os interesses que desejam se verem afastados da crítica social.
O debate ambiental, no atual ambiente político de esterilidade político-partidária, é um falso debate, porque prepara campo para que tal esterilidade perpetue, tornando-se destituido de consciência social crítica, dada a escassa credibilidade dos partidos carentes de renovação, decorrente da subordinação deles aos caixas dois eleitorais.
Não expressaria, enfim, o debate a realidade social antagônica na apreciação da problemática da relação ser humano/meio ambiente, essencialmente, política. Seria o oposto da pregação de Hegel segundo a qual “a relação homem-meio ambiente passa pelo homem”, isto é, pela política, que confere característica essencial à ação humana. Vive-se, no Brasil, um Congresso politicamente desumanizado.
Discurso do disfarce
Tremenda incoerencia demonstra o governo Lula quanto ao assunto pela ausência de rumo político no trato para a questão, no momento em que o novo paradigma ambiental emerge a partir do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, despreendendo-se da inflexibilidade política unilateral do Partido Republicano, que, sob W. Bush, aterrorizou a questão do meio ambiente do ponto de vista ideológico.
Lula revela-se , totalmente, ambíguo, sendo o Brasil país chave no debate sobre o assunto, por possuir os dois maiores biomas da terra, a Amazônia e o Cerrado do Centro Oeste.
O titular do Planalto fica entre duas considerações e se deixa anular pela confronto entre ambas. Primeira: as perspectivas que o potencial econômico natural brasileiro desperta no cenário global em crise financeira no qual a posição nacional vai se tornando privilegiada graças a essa potencialidade infinita aos olhos dos investidores que amargam taxa de juro negativa na Europa e nos Estados Unidos. Como em ambos inexistem possibilidades de investimentos produtivos em novas fronteiras econômicas avançadas capazes de assegurar reprodução em grande escala do capital sobrecumulado, antes reproduzido na especulação, que implodiu na crise, ganha sonoridade universal o potencial brasileiro incomensurável.
A outra posição presidencial balança relativamente às preocupação ambientais que tendem a ganhar espaço político graças ao engajamento social crescente relativamente ao meio ambiente. Os desmatamentos e os incendios das florestas que se transformaram em maiores poluidores colocam o governo brasileiro na defensiva.
O Brasil teria melhores chances entre os emergentes para sair da crise, mas a exploração sem limites de suas potencialidades, ambientais, em forma de destruição sem renovação, com a desregulamentação de frouxas regras ambientais quanto à exploração territorial, romperia a sustentabilidade do próprio desenvolvimento, se predominar irracionalidades determinadas pela visão do lucro absoluto.
Sob pressão do desemprego , que avança no compasso da crise global e das incoerências da política macroeconômica que passou a sobrevalorizar a moeda nacional tornando o produto brasileiro incapaz de competir, justamente, quanto a reivindicação social maior é pelo avanço das condições que aumentam a taxa de emprego, o presidente Lula se encontra entre fois fogos.
A inexistência de discurso claro do chefe de governo sinaliza falta de transparência, simplesmente, porque a sociedade, afastada da discussão, não dá orientação política a ele, já que não existem organizações político partidárias com suficiente poder de mobilização social para promover correlações políticas diferenciadas. O discurso lulista vira manifestação de mero disfarce.
Freio ao avanço democrático
O debate está afastado da comunidade, porque o poder comunitário é, insuficientemente, organizado. Melhor, programadamente desorganizado para facilitar a desorganização, que descarta posicionamentos políticos claros.
O ex-presidente FHC, em reunião do PSDB, em julho de 2008, antes da grande crise, destacou, por exemplo, que o poder político nos novos tempos estaria nos núcleos comunitários, onde seriam formuladas as reivindicações populares e as discussões da problemática nacional.
A partir da comunidade, disse, seriam debatidas as novas ordens, nesse novo tempo, no qual se inverte a deterrioração dos termos das relações de trocas globais em que as manufaturas perdem valor relativo frente às matérias primas, cujos preços passam a valorizar mais que o valor das moedas, baleadas.
FHC, com seu raciocínio dialético, porém, não colocou como ordem consequente para a discussão dos tucanos a deliberação urgente sobre o fortalecimento do voto comunitário, ou seja, distrital, via reforma eleitoral, para promover a identificação orgânica e política do eleitor com seu representante no Congresso saído dos distritos municipais.
Como tal representante não é eleito pelo voto comunitário distritalmente orientado, mas pelo método proporcional, a farsa é total. Eleitoras e eleitores acabam elegendo, por tal artimanha, aquele em quem não votou, quase sempre, pela regra político eleitoral em vigor.
Como, então, seria possível combinar a postura do representante popular diante da questão ambiental, se tal representante político não tem maiores identidades com o debate popular inexistente sobre o meio ambiente nas comunidades onde emergiria o novo poder?
A reforma política, portanto, representaria passo fundamental para a deliberação democratica da comunidade, expressa no voto distrital, em cada distrito municipal, sobre a questão não apenas ambiental, mas, sobretudo, à relativa ao desenvolvimento que interessa ao poder comunitário em sua totalidade relacionada às necessidades comunitárias.
Haveria sintonia indispensável entre eleitores-eleitoras e congressistas escolhidos pela comunidade para realizar o discurso dela? Sem tal identidade predomina o discurso da força do interesse do capital diante da falsa representatividade política em vigor em Legislativo abastardado.
Cúpulas marginalizam comunidade
As lideranças políticas são umas durante as eleições e outras no período de suas administrações, em meio a um nepotismo historicamente construído que a Constituição de 1988 ainda não removeu inteiramente. Na prática, a falta de transparência é a norma e os jogos de interesses combinados prevalecem à margem da lei que fica no plano abstrato.
Passados os pleitos eleitorais, tudo volta ao que era antes, isto é, domínio de oligarquias que guardam costumes históricos de depredação e fixação de propriedades na base da violência. Seguem, essencialmente, o tipo de ocupação do território brasileiro nos moldes determinados pela coroa portuguesa, desde o descobrimento.
A propriedade privada, no Brasil, de acordo com esse molde, fixado pela monarquia portuguesa, ao distribuir as capitanias hereditárias para os seus prepostos, quase sempre capitães do mato, bandeirantes, cuja missão histórica foi a de desbravar riquezas coloniais, para alimentar as metrópoles, resultou na contradição essencial de construção do progresso com simultanea destruição do meio ambiente em meio a uma conjuntura política oligarquica, ditatorial, escravocrata. Essencialmente, a base dessa ditadura ancora-se nos modelos eleitorais plenamente manipulados pelo dinheiro e pela corrupção endêmica.
Os condutores dos debates serão aqueles que , de quatro em quatro anos, graças a essas leis laxistas eleitorais, corruptas, se elegem para o Parlamento. O resultado, evidentemente, torna-se bastante previsível. O sistema eleitoral é coerente: produz sua própria irrepresentatividade em partidos de faz de conta comandados por lideranças políticas empenhadas em sustentar esse status quo politicamente desrealizado.
Tal coerência evidencia, fundamentalmente, nas próprias alterações que as falsas lideranças articulam, de promoverem meias solas no sistema viciado de representatividade político-partidária proporcional, alterando o voto proporcional pelo voto em listas partidárias, por meio das quais os caciques escolhem os eleitos a fim de eternizar o mandonismo colonial. Cadeia produtiva de elites farsantes.
Trotski, evidentemente, tem razão quando diz que o sistema capitalista demonstra todas suas contradições no plano político e econômico, graças ao confronto contraditório entre, de um lado, as forças produtivas, que se desenvolvem no ritmo avassalador das descobertas científicas e tecnológicas colocadas a serviço da produção, e, de outro, as relações sociais da produção, amarradas por arranjos políticos-eleitorais, engendrados , historicamente, por cúpulas reacionárias, articuladas pelo capital financeiro para barrar o curso evolutivo da história, mediante governabilidade arranjada por controles artificiais, como são os casos das medidas provisórias.
Fernando Henrique Cardoso destaca que o que falta é vontade política. Mas, vontade política soa algo abstrato no contexto eleitoral nacional. Somente as cúpulas debatem, não para aproximar a legislação eleitoral dos interesses populares, mas , tão somente, para preservar interesses delas, no ato de esticar mandatos, utilizando maioria congressual por meio do capital financeiro, como fez FHC. Incoerência fernandina total.
Como combinar essa contradição dos interesses sociais com a problemática ambiental, se as lideranças pregam um discurso, mas atuam na direção oposta?
Elites contraditórias
A mudança climática, que será debatida em Compenhague, em dezembro próximo, a fim de fixar Convenção do Clima, capaz de promover evolução relativamente ao Protocolo de Kioto, especialmente, quanto à fixação de limites para emissão de gases de estufa, leva posição brasileira tirada dos debates de cúpula e não da essência do pensamento democrático comunitário. Caso houvesse no país legislação eleitoral que envolvesse a comunidade no traçado do seu próprio destino, o papo seria outro.
Os políticos, que desejam ampliar de 20% para 50% o desmatamento das áreas consideradas de reserva legal, na Amazônia, no Cerrado, na Mata Atlântica, historicamente, devastada, a fim de atender os investidores, interessados em ampliar a plantação das oleaginosas e as pastagens, de modo a elevar a taxa de lucro obtida por hectare, no agronegócio, não agiriam, sofregamente, para introduzir flexibilidades excessivas nas leis ambientações, relacionadas no decreto 6.514, que regulamentou a Lei de Crimes Ambientais, se a lei eleitoral guardasse relação direta com o poder comunitário, para encaminhar a discussão do assunto.
Desdenhando o poder comunitário, no espaço nacional, composto de 851 milhões de hectares, no qual estão disponíveis, segundo a Embrapa, mais de 256 milhões de hectares disponíveis(29%) para as atividades agropecuárias, , além dos 77 milhões de hectares destinados às lavouras e 172 milhões às pastagens, os políticos, sob influxo dos capitais investidores, são atraídos para órbita de interesses econômicos e financeiros poderosos que ganham força quanto mais laxista é a legislação eleitoral. Ficam, portanto, distantes dos interesses comunitários.
A comunidade, em tal conjuntura, encontra-se , institucional e objetivamente, excluída da possibilidade de concretizar seus interesses, visto que o regime eleitoral de escolha de representantes aumenta em vez de diminuir a distancia entre o representante e o representado.